1) O que leva uma pessoa a compulsão?
Vários fatores podem estar relacionados à compulsão alimentar, tanto biológicos e hereditários, como a Síndrome de Prader Willi e Kleine-Levin, quando não há sensação de saciedade e o paciente apresenta hiperfagia. Entretanto, a associação com fatores ambientais e comportamentais é mais significativa, quando traumas, experiências pessoais negativas, sentimentos como culpa, vergonha, insatisfação, além de sintomas ansiosos e a manutenção do ato compulsivo, por reduzir ou aliviar sensações de mal-estar.
2) Quais os tipos de compulsão?
Não há essa distinção na literatura médica, contudo alguns tipos de comportamentos compulsivos vêm sendo recentemente estudados com maior frequência e foram reconhecidos como doença, é o caso do comprar compulsivo e mais recentemente o uso compulsivo de computador e internet, além dos já conhecidos jogo patológico, compulsão alimentar e sexual.
3) Qual o tipo mais comum? A que se deve isso?
A compulsão alimentar é a mais prevalente, atinge 4% da população geral e até 6% de obesos, segundo dados da APA (Associação Americana de Psiquiatria). Ela pode estar presente em transtornos psiquiátricos alimentares como a Bulimia Nervosa e o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP).
4) Quanto à comida, qual a diferença entre comer excessivamente ao perder o controle um dia e comer compulsivamente?
O ato compulsivo isolado, sem associação com doença psiquiátrica, certamente foi algo experimentado ocasionalmente por grande parte da população, motivado por algum contexto social, funcional ou psicológico. Muitos de nós já foi a um rodízio e experimentou vários grupos de alimentos diferentes em um curto período de tempo. A compulsão alimentar se configura uma doença, com inúmeros prejuízos mais amplos, tanto sociais, como funcionais.
5) O comedor compulsivo pode ser uma pessoa que come várias vezes excessivamente apenas nos finais de semana, por exemplo? Ou no período pré-menstrual? Enfim, num período determinado, mas que ocorre com frequência?
O comer compulsivo periódico pode ocorrer em qualquer fase da vida, podendo ser algumas vezes por mês, como no período pré-menstrual. O TCAP deve ocorrer no mínimo duas vezes por semana, em um período de no mínimo seis meses, portanto, se o indivíduo apresentar pelo menos dois episódios compulsivos, ainda que aos finais de semana por 6 meses tem o diagnostico de TCAP e indicação de tratamento.
6) Na maioria das vezes, a que se deve a compulsão por comida?
Estudos sobre a etiologia ainda são limitados, outros indicam que o sobrepeso e a obesidade são fatores de risco para desenvolvimento da compulsão alimentar periódica e o fator hereditário parece ter alguma relação com o comer compulsivo, mais ainda, fatores psicossociais, como ameaças, abuso sexual, discriminação, além de história infantil de sobrepeso, compulsão alimentar familiar e desavenças paternas também podem ser fatores de risco importantes para o comer compulsivo.
7) Qual a relação que se tem com a comida na atualidade?
Diferentemente do que a humanidade enfrentou em períodos críticos de guerra, epidemia e pobreza, o momento atual é de abundância e facilidade de acesso e oferta de uma diversidade de alimentos a todas as classes sociais, principalmente em grandes centros urbanos.
A comida sempre esteve relacionada à satisfação e em um contexto social, dificilmente se consegue ter um controle pleno de quantidade e saciedade, tornando cada vez mais frequentes a busca de meios para se controlar o peso e os excessos diante da mesa, quando se observa que a moderação é a melhor saída para manter o bem-estar e a saúde.
Em contrapartida, passou-se a observar que havia indivíduos que apresentavam relações patológicas com a comida, chegando a ingerir cerca de cinco a sete mil calorias em curto período de tempo, e que precisariam de uma ajuda especializada para superar esse sofrimento.
8) Como é o processo para se identificar que há compulsão por comida?
O diagnóstico do Transtorno de Compulsão Alimentar Periódico se dá pela observação do próprio paciente ou de familiares se há ocorrência de episódios em que há a ingestão de grande quantidade de alimentos muito rapidamente, em período superior ao convencional, ingerido pela maioria das pessoas, acompanhado de sentimento de falta de controle, de não conseguir parar de comer, sensações de culpa, vergonha, repulsa por si mesmo.
A compulsão alimentar ocorre, pelo menos, dois dias por semana, durante seis meses e não deve estar está associada ao uso de comportamentos compensatórios, como purgação, jejuns, etc, o que exclui, por exemplo, indivíduos que “beliscam” o dia todo pequenas quantidades de alimentos.. Por fim, deve haver sofrimento relativo a esse comportamento recorrente.
9) Como pode ser tratada a compulsão por comida?
O tratamento geralmente tem por base a reeducação alimentar, com base em programas com apoio endocrinológico, nutricional, psicológico e em alguns casos, psiquiátrico, quando se faz necessário o uso de medicamentos para o tratamento de sintomas compulsivos graves, ou comorbidades psiquiátricas, como o Transtorno Depressivo Maior e Transtornos de Ansiedade.
10) O tratamento serve para as outras formas de compulsão?
Não. Geralmente faz-se necessária a avaliação de cada caso isoladamente. A grande maioria dos pacientes terá indicação apenas de tratamento psicoterápico. Entretanto, quando há a observação de alguma comorbidade psiquiátrica, como o Transtorno Depressivo Maior e os Transtornos de Ansiedade faz-se necessário o tratamento medicamentoso, com psicofármacos.
11) Qual a importância dos grupos de apoio como os Comedores Compulsivos Anônimos?
Esses grupos funcionam como uma poderosa terapia de grupo, quando grupos de pacientes que apresentam sofrimentos físicos e psíquicos semelhantes se reúnem, sempre com a mediação de um profissional da saúde mental, com programas e técnicas de reabilitação de Terapia cognitivo-comportamental (os Doze Passos). É uma rede mundial de apoio e tratamento psicoterápico por meio de técnicas de prevenção de recaída, também utilizadas nos outros grupos semelhantes, como Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos, dentre tantos outros.
12) Caso alguém queira ajudar uma pessoa próxima que está no quadro de comedor compulsivo, como deve proceder?
O ideal seria indicar primeiro uma avaliação médica, que pode ser com um endocrinologista ou um psiquiatra, e se seguiria com apoio psicoterápico. O apoio de familiares e pessoas próximas é fundamental para o sucesso do tratamento.
13) Há um novo transtorno alimentar chamado de gordorexia. Como é definido?
A gordorexia se caracteriza pela alteração na imagem corporal, quando o obeso, não se percebe acima do peso, e se vê com corpo de forma física adequada. Essa alteração da imagem corporal faz parte do quadro da Anorexia Nervosa, quando o paciente não se vê magro ou com um corpo adequado, sempre se percebendo maior, mais gordo do que realmente é, essa alteração é maior e mais grave quanto menor ou maior for o peso do paciente.
14) A comida pode ser considerada um vício neste caso do comedor compulsivo?
A alimentação está ligada ao mesmo sistema de recompensas cerebral relacionado à dependência de substâncias e tem-se proposto que se trate o alimento do comedor compulsivo com um vício. Entretanto, não se pode evitar esse vício, pois o alimento é vital, portanto a abordagem radical e restritiva de um paciente dependente de substâncias é distinta à de um comedor compulsivo, que deve passar a se alimentar de forma moderada.
15) No entanto, diferente do vício com o álcool, a pessoa não pode evitar a primeira garfada, porque ela tem que se alimentar. Não é isso? Como proceder nestes casos?
Exatamente, a mesma recomendação não pode ser utilizada para os dois tipos de pacientes, pois a orientação de evitar sempre o primeiro gole dada para os alcoólicos não pode ser seguida pelos comedores compulsivos, pois não há como evitar a primeira refeição. Como já dito, a abordagem nesses casos é a reeducação alimentar e o controle do ato compulsivo.
16) Às vezes, o vício é com algum grupo alimentar (carboidrato, doce, etc) que é o alvo da compulsão? Ou não se trata dessa forma?
Alguns estudiosos sugerem que poderia haver dependência de carboidratos ou de açúcar, de acordo com a própria queixa do paciente, e acabam tendendo a restringir tal grupo alimentar. O tratamento ideal não deve ser restritivo e nem proibitivo, pois o paciente deve aprender a apreciar todos os tipos de alimentos de forma saudável.
17) É verdade que o comer compulsivo não está entre os distúrbios categorizados na classificação internacional das doenças segundo a Organização Mundial da Saúde?
Sim. Por quê? Ele só foi regulamentado e reconhecido como doença em 1994, quando a essa classificação já havia sido feita, em 1992. Ele certamente entrará no CID-11.
18) Mas a Associação Psiquiatríca Americana já a identifica como patologia?
Sim, no caso do TCAP, ele está presente no DSM-V. E o Brasil, como a classifica? O Brasil usa o CID-10 para classificar as doenças e o TCAP está situado nos Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação (F50.9)
19) A compulsão alimentar é identificada com mais frequência nos adultos?
Sim. Em que faixa etária? Há dados que sugerem que a prevalência é maior na década dos 20 e que diminui após os 25 anos.
20) E nas crianças, a compulsão alimentar pode ser provocada na infância? Por meio dos pais?
O comer compulsivo ainda está sendo identificado apenas em adultos na segunda ou terceira década de vida. Atualmente, estão começando a surgir estudos sobre o comportamento compulsivo alimentar em crianças, já que, na prática clínica, pode-se observar que existem diversas com esse tipo de disfunção alimentar, e a maioria delas tem relação direta com o comportamento e a educação alimentar dos próprios pais.
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