A Aposentadoria chegou, e agora?
Segundo o filósofo francês Gilles Lipovetsky, vivemos em uma sociedade hipermoderna, permeada pelo hiperconsumo e pela efemeridade, ou seja, onde tudo é passageiro, descartável e raso, concomitantemente, queremos consumir, ou melhor, hiperconsumir: consumir produtos, marcas e estilos de vida (lifestyles) .
Dessa maneira, para dar conta de uma lógica hiperconsumista, incorporamos a dinâmica contemporânea da hiperprodutividade de forma que somos convocados a entrarmos em um ciclo de produzir-consumir, sendo essa produção voltada para a prática laboral formal. As máximas “o trabalho dignifica o homem” e “Deus ajuda quem cedo madruga” vão sendo naturalizadas de maneira que o trabalho é divinizado e o sujeito contemporâneo é valorizado a partir de seu envolvimento com ele. A ideia de sucesso vai sendo construída, portanto, a partir de referências laborais.
A contemporaneidade supervaloriza o trabalho e, sobretudo, o trabalhador. Assim, podemos pensar: e quando a aposentadoria chegar? O sentimento muitas vezes é de luto, de perda de valor individual, não existe mais a rotina de trabalho, a convivência com os colegas, a ocupação do tempo e a condição de trabalhador.
O impacto para a vida do sujeito se constitui de diversas formas, sendo diretamente influenciada pela relação que o mesmoestabeleceu com o trabalho ao longo de toda a sua história. Se, ao longo da vida, o trabalho ocupou grande parte da minha vida, de forma que não investi em outros aspectos, provavelmente vou sentir mais o processo de luto do que aquele sujeito que dividiu sua energia em outros âmbitos de vida.
Estamos falando de projetos de vida! O evento da aposentadoria convoca o sujeito a pensar na sua forma de viver, a repensar seus projetos e sonhos. O que fazer após a aposentadoria? Não existe receita pronta. Precisamos construir nossa própria receita, adicionando aqueles ingredientes que nos são mais saborosos. Existem aquelas pessoas que voltam ao mercado de trabalho após a aposentadoria, mas escolhendo, muitas vezes, outra rotina, outra função, fazendo escolhas mais leves, sem o peso da obrigação e da necessidade de sustento. Tem aqueles que voltam ou começam a estudar. Outros vão cuidar da casa, viajar, investir nas relações. São infinitas as possibilidades. Como eu disse, não existe receita!
Na psicoterapia, o terapeuta atua como um facilitador desses processos de mudança e de elaboração dessas perdas e ganhos gerados pela aposentadoria. O importante aqui é que a pessoa não se aposente de si mesma e possa ver possibilidades e potência nessa fase da vida. Como dizia o filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre: “Não importa o que me foi dado, o importante é o que eu faço com o que recebi”, ou seja, não somos determinados pelo nosso contexto de vida, mas agentes ativos de transformação daquilo que nos acontece.
Por Fernanda Marinho, psicóloga
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